"Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato...

Ou toca, ou não toca." (Clarice Lispector)
"Eu me recuso a ser sócio de qualquer clube que me aceite como sócio." (Grouxo Marx)
"Repara bem no que não digo." (Leminski)
"Meu epitáfio será: Nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa" (Rita Lee)

I am not but I am

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sábado, 4 de dezembro de 2010

Minha poltrona

Oi, lembra de mim? Estava contigo quando comecei a deixar-me sair de dentro de mim, do meu profundo fundofundofundo como se estivesse afogada há eternos segundos de longos milênios. Você lembra? Tava sempre comigo, sempre me seguindo, me acompanhando e questionando tudo, nunca me deixava sozinha ou cabisbaixa. Onde você tá, cara? Me liga, me manda uma mensagem, um scrap, um e-mail, ou um tweet mesmo. Se comunica comigo, vamos nos conectar mais uma vez mais, me diz como tem andado, com que pernas, com que pensamentos. Lembra daquela lagoa? Lembra de quando íamos para lá e nos divertíamos à beça? E daquela noite sob as estrelas, aquela única, em que acampamos todos juntos numa mesma barraca?
Nunca te esqueci, não me dói, mas gostaria que você lembrasse mais de mim, você foi um bom amigo-amante, quase sempre constantemente quieto e calado, mas um bom amigo-amante.
Melhor que não lembre de mim àquela época mesmo, eu era tão imbecil, tão nova e idiota. E você... Ah, você era você, nós fomos nós, não me arrependo de nada, nem da vergonha ou da humilhação. Agora já passou. Agora você é homem formado e mora tão longe e truncado que nem sei como chegar, agora você continua você, sempre você, e eu continuo me definindo e redefinindo a cada instante, sempre nessa marca registrada de discordância e confusão, sempre eu, eu, eu.
Aliás, não sei o por quê de o assunto ter ido parar em você, cara, não tem nada a ver contigo, nada a ver com os nossos passados terem-se cruzado inexplicavelmente naquele fim-de-Brasil.

Agora sim.
Cara, você invadiu a minha vida assim sem mais nem menos, sem pedir nem nada, você simplesmente arrombou a porta da minha vida com o teu trator ultramoderno e se instalou na sala de estar, na minha poltrona favorita, e se recusou veemente a sair. Sério, você é mesmo muito insistente e circunspecta. Ou dá ou desce, simples assim, ou prefere que eu desenhe para seu melhor entendimento? Cara, você arrombou a porra da minha porta e se apossou da minha porra de poltrona favorita. O que você quer com isso?
Sério, você chegou de mansinho, bem como quem diz não querer nada, aí começou essa invasão, agora tu não sai mais, vai ficar e se hospedar até quando? Já sabe que por aqui ninguém costuma durar por mais de três meses, quando duram três meses.
Cara, gosto muito de você, muito, não me pergunta, só aceita. Mas deixa eu sentar na minha poltrona, ainda sou eu que mando nessa porra.
Obrigada, querida, você é muito gentil.


"E as rosas ficaram desapontadas.

— Sois belas, mas vazias - continuou ele. - Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem eu pus sob a redoma. Foi ela quem abriguei com o pára-vento. Foi nela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. Já que ela é a minha rosa." (O Pequeno Príncipe)

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Alba del Rojo

Alba del Rojo era infalível na arte de adivinhar e esbarrar em colunas d'água, ela jamais sentia temor ao descobrir segredos escondidos sob tapetes e sofás. Acordava sentindo-se tonta e com dores na cabeça e coluna. Alba era de estatura mediana e corpo delgado, olhos de cigana traiçoeira, pele macia e cabelo arroxeado, desde pequenina com altas inclinações para os mistérios de Pandora e alucinações taciturnas.
Alba, mulher madura e letrada, independente e ávida. Aos 26, pariu mais bela criatura, Abella Rojo Delasarmenta. Alba, mulher sensual e incorruptível.
Aqui estou, desolada do mundo, assistindo a vultos convulsos, tempestades rotineiras e à vida inexorável. Aqui estou, montada na mortandade intemporal e na irreal e nefanda estrutura de solidariedade e Amor. Sou egoísta e vôo alto com os pés fincados, sou egoísta e durmo profundo de olhos abertos, sou egoísta e me permito sonhar com amores cansáveis e aventureiros, livres de delimitação e nobres orgasmos esquálidos, fingidos e dolorosos.
Eu sou minha única mulher. Me tatuo a marca do tempo.








Eu quero mesmo é alguém que me faça mudar completamente de opinião. Que faça meu corpo querer companhia nos momentos em que minha mente insiste pela solidão. (Caio Fernando Abreu)